01 maio, 2020

TRADUÇÕES DA QUARENTENA - 13 Nayyirah Waheed


fendeste o oceano ao
meio para aqui estares.
não encontraste nada que te queira
- imigrante
........
não presto atenção ao
fim do mundo.
já acabou para mim
muitas vezes
e começou de novo de manhã
........
sangro todos os meses.
mas não morro.
como posso não ser mágica.
- a mentira

Nayyirah Waheed (EUA, ?)
(trad. Cristina Tavares /José Pinto de Sá)

TRADUÇÕES DA QUARENTENA - 12 Octavio Paz

MADRUGADA
Rápidas mãos frias
retiram uma a uma
as vendas da sombra
Abro os olhos
ainda
estou vivo
no centro
de uma ferida ainda fresca.
........
Sob a tua clara sombra
vivo como a chama ao ar,
em tensa aprendizagem de estrela.
.........
DIZER, FAZER
Entre o que vejo e digo,
Entre o que digo e calo,
Entre o que calo e sonho,
Entre o que sonho e esqueço
A poesia.
Desliza entre o sim e o não:
diz
o que calo,
cala
o que digo,
sonha
o que esqueço.
Não é um dizer:
é um fazer.
É um fazer
que é um dizer.
A poesia diz-se e ouve-se:
é real.
E mal digo
é real,
dissipa-se.
Assim é mais real?
Ideia palpável,
palavra
impalpável:
a poesia
vai e vem
entre o que é
e o que não é.
Tece reflexos
e destece-os.
A poesia
parece olhos nas páginas
parece palavras nos olhos.
Os olhos falam
as palavras vêem,
Os olhares pensam.
Ouvir
os pensamentos,
ver
o que dizemos
tocar
o corpo
da ideia.
Os olhos
fecham-se.
As palavras abrem-se.

Octavio Paz (México, 1914-1998)
(trad. Cristina Tavares/José Pinto de Sá)

12 abril, 2020

TRADUÇÕES DA QUARENTENA - 11 Margaret Atwood

O MOMENTO
O momento em que, depois de muitos anos
de trabalho árduo e uma longa viagem
estás de pé no meio do teu quarto,
casa, meio hectare, quilómetro quadrado, ilha, país,
sabendo por fim como lá chegaste,
e dizes, possuo isto,
é o mesmo momento em que as árvores soltam
de ti os braços macios,
os pássaros tomam de volta a sua linguagem,
as falésias racham e colapsam,
o ar reflui de ti como uma vaga
e não consegues respirar.
Não, murmuram. Não possuis nada.
És um visitante, repetidamente,
escalando a colina, plantando a bandeira, proclamando.
Nunca te pertencemos.
Nunca nos encontraste.
Foi sempre ao contrário.


........


UMA VISITA
Longe vão os dias
em que conseguias andar sobre a água.
Em que conseguias andar.
Longe vão os dias.
Só resta um dia,
aquele em que estás.
A memória não é amiga.
Só te consegue dizer
o que já não tens:
uma mão esquerda que consegues usar,
dois pés que caminham.
Todos os artefactos do cérebro.
Olá, olá.
A mão que ainda funciona
agarra-se, não deixa ir.
Aquilo não é um comboio.
Não há grilo nenhum.
Não entremos em pânico.
Falemos de machados,
quais são os bons,
os muitos nomes de madeira.
É assim que se constrói
uma casa, um barco, uma tenda.
Não serve de nada; a caixa de ferramentas
recusa-se a revelar os seus verbos;
a grosa, a plaina, a lima, a sovela,
revertem para metais soturnos.
Reconheces alguma coisa? Disse eu.
Alguma coisa familiar?
Sim, disseste. A cama.
Vale mais olhar o riacho
que corre pelo chão
e é feito de luz do sol,
a floresta feita de sombras;
vale mais olhar a lareira
que agora é uma praia.

Margaret Atwood (Canadá, 1939 - )

(trad. Cristina Tavares/José Pinto de Sá)

TRADUÇÕES DA QUARENTENA - 10 James Baldwin

TRADUÇÕES DA QUARENTENA - 10

A imaginação
cria a situação
e, então, a situação
cria a imaginação.
Também pode, é claro,
ser ao contrário:
Cristóvão Colombo foi descoberto
por aquilo que encontrou.
........


O meu relatório de progresso
Sobre a viagem ao palácio da sabedoria
é desencorajador.
Faltam-me certas aptidões indispensáveis.
Além disso, parece
que pus na mala as coisas erradas.


........
Senhor,
quando enviares a chuva
pensas nisso um pouco,
por favor?
Não
te entusiasmes
com o som da água a cair,
com a maravilhosa luz
na água a cair.
Eu
estou por baixo dessa água.
Cai com muita força
e a luz
Cega-me
para a luz.

James Baldwin (EUA, 1924 - 1987)  (tradução  Cristina Tavares /José Pinto de Sá)

10 abril, 2020

TRADUÇÕES DA QUARENTENA - 9 Anne Sexton


A NEGRA ARTE
Uma mulher que escreve sente demais,
esses arrebatamentos e presságios!
Como se ciclos e crianças e ilhas
não bastassem; como se lutos e mexericos
e legumes nunca bastassem.
Ela pensa que pode avisar as estrelas.
Uma escritora é essencialmente uma espia.
Querido amor, eu sou essa mulher.
Um homem que escreve sabe demais,
tais feitiços e fetiches!
Como se erecções e congressos e produtos
Não bastassem; como se máquinas e galeões
e guerras nunca bastassem.
Com mobília usada faz uma árvore.
Um escritor é essencialmente um vigarista.
Querido amor, tu és esse homem.
Sem nunca nos amarmos a nós próprios,
odiando até os nossos sapatos e chapéus,
amamo-nos um ao outro, querido, querido.
As nossas mãos são azul-claras e delicadas.
Os nossos olhos estão cheios de confissões terríveis.
Mas quando nos casamos,
os filhos partem com repugnância.
Há demasiada comida e não sobra ninguém
Para comer toda a estranha abundância.

........


EM CELEBRAÇÃO DO MEU ÚTERO
Toda a gente em mim é uma ave.
Bato as minhas asas todas.
Queriam eliminar-te
mas não o farão.
Disseram que eras imensuravelmente vazia
mas não és.
Disseram que estavas doente para morrer
mas estavam enganados.
Cantas como uma miúda de escola.
Não estás despedaçada.
Doce peso,
em celebração da mulher que sou
e da alma da mulher que sou
e da criatura central e sua delícia
canto para ti. Ouso viver.
[…]


Anne Sexton (EUA, 1928-1974)   (Tradução de Cristina Tavares e José Pinto de Sá)

09 abril, 2020

TRADUÇÕES DA QUARENTENA - 8 Anne Perrier


Quanto mais o tempo se faz sombrio
E o caminho árido
Mais eu encho
O meu lenço de estrelas
........
Escondem-se, diz-se, para morrer.
Eu digo
Que nunca nenhum pássaro morre
Mas que muito alto, entre a espuma
E os remoinhos de astros, os seus cantos
de planeta em planeta saltam
para a fonte.
........
… Era loucura
Querer eternizar
A dança e a estação florida

Anne Perrier (Suíça, 1922-2017) Tradução de Cristina Tavares e José Mota Pinto de Sá

TRADUÇÕES DA QUARENTENA - 7 Dambudzo Marechera


.
.
UM FARRAPO DE IDENTIDADE
Quando é que esta lua se descasca dos meus poemas?!
Esta zona de penumbra que vai da escola inglesa
À minha voz de barata?
A formiga empoleirada no grão de areia
Pouco se apercebe do meu titânico dilema de artista
E só tem olhos para o pé que ergo.
A abelha na sua errância doce peganhenta, se me avista
Dispara uma tangente zumbindo o seu escárnio.
A madrugadora andorinha, no seu voo seco,
Mal dispensa um olhar instantâneo às minhas penas.
O varredor dá de ombros, atira o fardo concreto
Para o camião dos salários e dos preços em alta;
O aprendiz da fábrica fecha o macacão
E aguarda o Chamamento – sirene da fábrica;
O carteiro pedala a sua ronda; o soldado
Beija a namorada e corre a cumprir ordens.
Todos parecem conhecer seus eus
Mas eu como um louco insisto em decifrar
As marcas num farrapo de papel em branco
As marcas que vão ser o poema atrás deste poema.

........

NOTAS PARA HAMLET
Agora ou nunca está aí outra vez. Será preciso eu
Encarar a outra face da lua?
O momento exige decisão. Toda a minha
História é avessa a isso – Deixem-me estar!
Assim, de novo adio e tremo. Talvez
O impaciente problema desanime face às minhas
Exímias vacilações.

Dambudzo Marechera (Zimbabwé, 1952-1987) tradução de Cristina Tavares e José Pinto de Sá

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07 abril, 2020

TRADUÇÕES DA QUARENTENA - 6 Jacques Prévert

TEMPO PERDIDO
Diante da porta da fábrica
o trabalhador de súbito pára
o bom tempo puxou-o pelo casaco
e quando ele se volta
e olha para o sol
muito vermelho muito redondo
sorrindo no seu céu de chumbo
pisca o olho
familiarmente
Diz lá camarada Sol
não achas
que é uma estupidez
dar um dia assim
a um patrão?

........

NA FLORISTA
Um homem entra na florista
e escolhe flores
a florista embrulha as flores
o homem mete a mão no bolso
para procurar o dinheiro
o dinheiro para pagar as flores
mas ao mesmo tempo pousa
subitamente
a mão no coração
e cai
Ao mesmo tempo que cai
o dinheiro rola pelo chão
e depois as flores caem
ao mesmo tempo que o homem
ao mesmo tempo que o dinheiro
e a florista fica ali
com o dinheiro que rola
com as flores que se estragam
com o homem que morre
evidentemente tudo isso é triste
e é preciso que ela faça qualquer coisa
a florista
mas ela não sabe o que fazer
ela não sabe por que ponta começar
há tantas coisas a fazer
com aquele homem que morre
aquelas flores que se estragam
e aquele dinheiro
aquele dinheiro que rola
que não pára de rolar.

Jacques Prévert (França, 1900-1977) tradução de Cristina Tavares e José Pinto de Sá

TRADUÇÕES DA QUARENTENA - 5 Alejandra Pizarnik


.
.
Salta com a camisa em chamas
de estrela a estrela
de sombra em sombra.
Morre de morte distante
A que ama o vento.
........
A CARÊNCIA
Eu não sei de pássaros,
não conheço a história do fogo.
Mas creio que a minha solidão deveria ter asas.
........
explicar com palavras deste mundo
que partiu de mim um navio levando-me

Alejandra Pizarnik  (Argentina,1936-1972)  tradução de Cristina Tavares e José Pinto de Sá

TRADUÇÕES DA QUARENTENA - 4 Brian Patten



TROQUEI OS NÚMEROS NO MEU RELÓGIO

Troquei os números no meu relógio,
E agora talvez mais alguma coisa mude.
Talvez agora
Precisamente às 2a.m.
Tu não te levantes
E recolhendo as tuas coisas
Te vás para sempre.
Talvez agora aches que é cedo demais para partir,
Ou tarde demais,
E fiques para sempre.

........

POEMA DA FESTA

Ele disse:
“Vamos ficar aqui
Agora que este lugar esvaziou
E fazer gentil pornografia um com outro,
Enquanto os convivas saem
E o amanhecer se infiltra,
Como um desconhecido.
Não hesitemos
Quanto ao que sabemos
Nem quanto ao frio que aqui ficou.
Vamos libertar os espíritos
E soltar, aos tombos,
O louco, coxo crocodilo do amor.”
Assim fizeram,
Ali no meio das trepadeiras e das manchas de cerveja,
E mais tarde ele apanhou um autocarro e ela um comboio
E tudo o que havia então entre eles
Era chuva.

Brian Patten ( Reino Unido, 1946 - )  tradução Cristina Tavares e José Pinto de Sá
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TRADUÇÕES DA QUARENTENA - 3 René Char

TRADUÇÕES DA QUARENTENA - 3

.
.
FIZESTE BEM EM PARTIR, ARTHUR RIMBAUD
Os teus dezoito anos refractários à amizade, à malvadez, à estupidez dos poetas de Paris assim como ao ronronar de abelha estéril da tua família das Ardenas um pouco louca, fizeste bem em os dispersar pelos ventos ao largo, em os lançar para baixo da lâmina da sua precoce guilhotina. Tiveste razão em abandonar a avenida dos preguiçosos, as tascas dos mija-liras, pelo inferno das feras, pelo comércio dos astutos e a felicidades dos simples.
Esse impulso do corpo e da alma, essa bala de canhão que atinge o alvo e o faz rebentar, sim, é mesmo isso a vida de um homem! Não se pode, ao sair da infância, estrangular o próximo indefinidamente. Se os vulcões pouco mudam de lugar, a sua lava percorre o grande vazio do mundo e traz-lhe virtudes que cantam nas suas chagas.
Fizeste bem em partir, Arthur Rimbaud! Somos alguns a acreditar sem provas na felicidade possível contigo.
(trad. CT/JPS)
........
NO HORIZONTE ADMIRÁVEL
Os grandes caminhos
dormem à sombra das suas mãos
Ela caminha em suplício
Amanhã
Como um rasto de pólvora.

René Char ( França, 1907-1988)  (tradução de Cristina Tavares e José Pinto de Sá) 

TRADUÇÕES DA QUARENTENA - 2 Adrienne Rich

MULHERES

As minhas três irmãs estão sentadas
em rochas de obsidiana negra.
Pela primeira vez, nesta luz, consigo ver quem são.
A minha primeira irmã está a coser o seu fato para a procissão.
Ela vai de dama Transparente
e todos os seus nervos serão visíveis.
A minha segunda irmã também está a coser,
a costura sobre o coração que nunca cicatrizou inteiramente.
Ela espera que, por fim, este aperto no seu peito se alivie.
A minha terceira irmã está olhando fixamente
para a crosta vermelha escura que alastra para ocidente, para longe
[no mar
Tem as meias rotas, mas é linda.

........

MERGULHANDO NOS DESTROÇOS

Vim explorar os destroços.
As palavras são intenções.
As palavras são mapas.
Vim ver o estrago causado
e os tesouros que prevalecem.
Atingi com o feixe da minha lanterna
devagar ao longo do flanco
algo mais permanente
que peixes ou algas
A coisa para que vim:
os destroços e não a história dos destroços
a própria coisa e não o mito
o rosto afogado olhando sempre
para o sol
a evidência do estrago
tornado pelo sal e pelo balanço nesta beleza puída
as costelas do desastre

Adrienne Rich (EUA, 1929-2012)  (tradução de Cristina Tavares e José Pinto de Sá)

TRADUÇÕES DA QUARENTENA - 1 Ursula K. Le Guin

FOLHAS

Os anos fazem estranhas coisas à identidade.
O que significa dizer
sou aquela criança na fotografia
em Kishamish em 1935?
Também podia dizer sou a sombra
de uma folha de acácia
derrubada há setenta anos
movendo-se na página que a criança lê.
Também podia dizer sou as palavras que ela leu
ou as palavras que escrevi noutros anos,
cintilação de sombra e luz
à medida que o vento se move por entre as folhas.

......

ANTEPASSADOS

Estou tão longe dos meus antepassados agora
na minha extrema velhice que me sinto mais um deles
do que sua descendente. O tempo chega
de uma maneira carnal que eu não entendo. A idade desfaz-se
e brinca ao Ouroboros. Eu a filha única
sempre fui uma das pequenas avós
rindo por tudo e por nada, sem compreender,
incompreensível.


Ursula K. Le Guin (EUA, 1929-2018)    tradução  de Cristina Tavares e José Pinto de Sá

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04 abril, 2020

Albert Camus

Au milieu de la haine, j'ai trouvé qu’il y avait en moi un amour invincible. Au milieu des larmes, j’ai trouvé qu’il y avait en moi un sourire invincible. Au milieu du chaos, j’ai trouvé qu’il y avait en moi un calme invincible. J’ai réalisé à travers tout cela que, au milieu de l’hiver, il y avait en moi un été invincible (...)

Albert Camus, L'Eté, 1953

O homem revoltado, de Albert Camus

02 abril, 2020

David Hockney

David Hockney
D.H. na Normandia, 2020

01 abril, 2020

Georg Baselitz

[no title]
Georg Baselitz, 1995




































I begin with an idea, but as I work, the picture takes over. Then there is the struggle between the idea I preconceived... and the picture that fights for its own life.
Georg Baselitz










31 março, 2020

Henri Matisse

"The Swimming Pool" in Matisse's dining room at the Hôtel Régina, Nice, 1953

Cores

Image

30 março, 2020

Henri Matisse

A imagem pode conter: 1 pessoa, sentado, óculos graduados e interiores
Erwin Blumenfeld, Henri Matisse, 1936

29 março, 2020

Eliot e Virginia

A imagem pode conter: 1 pessoa, em pé, chapéu e ar livre
Eliot, Woolf, and his first wife Vivienne




































“I have just finished setting up the whole of Mr. Eliot's poem with my own hands – you see how my hand trembles." 

Virginia Woolf