04 dezembro, 2014

Caminho rapidamente por entre estrias de luz e escuridão lançadas 
                                                   debaixo de uma arcada. 
Sou uma mulher na força da vida, com certos poderes
e esses poderes severamente limitados
por autoridades cujas caras raramente vejo.
Sou uma mulher na força da vida
que conduz o seu poeta morto num Rolls-Royce preto
por uma paisagem de crepúsculos e espinhos.
Uma mulher com uma certa missão,
a qual, se cumprida à letra, a deixará intacta.
Uma mulher com nervos de pantera
uma mulher com contactos com os Hells's Angels
uma mulher que sente a plenitude dos seus poderes
no preciso momento em que não os pode usar
uma mulher que jurou lucidez
que vê por entre a desordem, por entre os fogos fumarentos
destas ruas subterrâneas
o seu poeta morto aprendendo a andar para trás contra o vento
do lado errado do espelho

Adrienne Rich, Uma Paciência Selvagem

Adrienne Rich

Atirando com a cafeteira para o lava-louça
ela ouve os anjos a repreender, e olha para lá 
dos quintais amanhados para o céu desleixado.
Só há uma semana Eles disseram, Não tenhas paciência.

A seguir foi, Sê insaciável.
Depois, Salva-te a ti própria, outros não podes salvar.
Por vezes ela deixa que a água da torneira lhe escalde o braço,
que um fósforo lhe arda até à unha,

Ou põe a mão por cima do focinho da chaleira
precisamente no vapor enovelado. Se calhar são anjos,
já que nada mais a magoa agora, excepto
o saibro das manhãs a soprar-lhe os olhos.

Adrienne Rich, Uma Paciência Selvagem


Ernest Bieler, Mountain Landscape, 1896

03 dezembro, 2014

Exposto

É Dezembro em Wicklow:
Os amieiros gotejam, as bétulas
Vão herdando a última luz,
O freixo enregela-nos só de olhar.

Deveria poder ver-se ao sol-pôr
Um cometa que se perdera,
Aqueles milhões de toneladas de luz
Reluzindo como bagas de espinheiro e de roseira,

E por vezes vejo uma estrela cadente.
Se deparasse com um meteorito!
Em vez disso caminho sobre folhas húmidas,
Cascas, os despojos do outono,

Imaginando um herói
Na lama de um complexo penal,
O seu dom como a pedra de uma funda
Lançada pela causa dos desesperados.

Como cheguei a este ponto?
Penso amiúde nos conselhos
Belos e prismáticos dos meus amigos 
E nas mentes de bigorna de alguns que me odeiam

Enquanto me sento pesando e sopesando
Os meus versos de tristeza responsável.
E porquê? Pelo prazer? Pelo povo?
Pelo que se diz nas nossas costas?

A chuva escorre dos amieiros,
As suas vozes pouco sonoras
Sussurram sobre decepções e erosões,
E contudo cada gota relembra

Os absolutos de diamante.
Nem prisioneiro nem informador,
Sou um emigrado interno, de cabelo crescido,
Pensativo; um revoltoso rústico

Fugido ao massacre,
Usando como escudo as cores
De tronco  e casca de árvores, exposto
A cada rajada de vento;

Eu, que ao atiçar estas centelhas
Procurando o seu escasso calor,
Perdi o prodígio que se vê uma vez só,
A cintilação rósea do cometa.

Seamus Heaney; Da Terra à Luz

02 dezembro, 2014

Michael Cooper, René Magritte,1967

Vigésimo segundo
{em memória de Elisabete George Rodrigues}
Revejo os ciprestes do cemitério {à direita de casa}, As
alas do xadrez onde andava à escola, As sardinheiras
à porta da tabacaria {cigarros avulso e esferográficas}.
Desse tempo entre ciprestes e acácias, revejo a avó
revestida em pele de cera e já viúva, a ver-me subir as escadas,
muda, longânime, espelhando a evidência de me saber
inconforme, externo, a qualquer vereda.
Frederico Mira George; O Veneno Solitário
(...)
A agulha magnética indica, trémula,
o Norte, sinto o sabor
galvânico na língua, físico prodígio
por dentro com uma fina camada 
de cloreto de prata por fora.
O temido enegrecimento
de certos sítios
do corpo confirma
tudo o melhor possível.

W. S. Sebald, Do Natural - Um Poema Elementar

01 dezembro, 2014

(...)
Não desistiremos de explorar
E o fim de toda a nossa exploração
Será chegarmos ao lugar de onde partimos
E conhecer o lugar pela primeira vez.
Através do portão desconhecido e lembrado
Quando o último confim da terra por descobrir
For o lugar que foi o começo;
Na nascente do rio mais longo
A voz da oculta queda-de-água
E as crianças na macieira
Desconhecidas, porque nunca procuradas
Mas ouvidas, meio ouvidas, na quietação
Entre duas ondas do mar.
Depressa agora, aqui, agora, sempre -
Uma condição de completa simplicidade
(Que não custa menos do que tudo)
E tudo há-de ficar bem e
Toda a espécie de coisa há-de ficar bem
quando as línguas do fogo refluírem
Para o coroado nó de fogo
E o fogo e a rosa forem um.


T.S.Eliot, Quatro Quartetos

30 novembro, 2014

My true word has no sound.
Chiharu Shiota






Chiharu Shiota, In Silence, 2002-2013

29 novembro, 2014

Ruth Asawa

Imogen Cunningham, Ruth Asawa, 1952

Ruth Asawa, 1954






















Ruth Asawa sketches, 1954

Imogen Cunnigham, Ruth Asawa, Sculptor, and Her Children, 1958

Paul Klee, Colour chart, 1931

28 novembro, 2014

Hassan Sharif, Supended Objects, 2011

27 novembro, 2014

26 novembro, 2014

Richard Serra, Cycle, 2010

25 novembro, 2014

Lucian Freud, Girl with Rose, 1948

O velho tanque
uma rã mergulha,
barulho de água.


Matsuo Bashô

24 novembro, 2014

Anders Krisar, Half Boy, 2014

23 novembro, 2014

(...)
Por isso não temo que se apague a minha respiração,
Pois a morte nada mudará;
Pois algures num vale de alegria me hei-de encontrar,
Terra junto à terra, ou árvore junto à árvore,
Muitos e muitos anos com aquela que agora amo;
E sentirei alegria ao partilhar 
Com ela o sol e a chuva e o ar,
Para com ela gozar a sua tranquila proximidade
Como gozam as mudas coisas dos campos e dos bosques,
A terra, a árvore, a flor estrelada, 
Todas as coisas que têm esse poder.

Robert Louis Stevenson, Poemas
Marc Chagall, Over the Town, 1914-18

22 novembro, 2014

Lucian Freud, Autoretrato, c.1956