Em criança e em adulto, andei muito mais entre rios e aves
que entre bibliotecas e escritores.
Também assumi o dever antigo dos poetas: a
defesa do povo, das pessoas pobres exploradas.
Isto tem importância? Penso que são fascinações
comuns a todos os que escreveram, escrevem e escreverão poesia. O amor tem, é claro,
muito a ver com isto e deve pôr as suas cartas na mesa.
Começo amiúde a ler disquisições sobre a poesia,
que nunca chego a terminar. Uma quantidade de pessoas excessivamente cultas
dispôs-se a escurecer a luz, converter o pão em carvão, a palavra em parafuso. Para
separar o pobre poeta dos seus companheiros de planeta, dizem-lhe todo o género
de encantadoras mentiras. «És um génio», repetem-lhe. «És um deus
obscuríssimo». Às vezes, nós, poetas, acreditamos nessas coisas e repetimo-las,
como se nos tivessem ofertado um reino. Na verdade, esses aduladores
querem-nos roubar um reino perigoso para
eles: o da comunicação cantante entre os seres humanos.
Este mistificar e mitificar da poesia produz
abundância de tratados que não leio e detesto. Recordam-me os alimentos de
certas tribos polares, que uns mastigam longamente para que outros devorem.
Recuso-me a mastigar teorias e convido qualquer pessoa a entrar comigo num
bosque de robles vermelhos no Sul do Chile, onde principiei a amar a terra,
numa fábrica de meias, uma mina de manganês (os operários de lá conhecem-me) ou
qualquer parte onde se possa comer peixe frito.
Não sei se os homens se devem dividir em
naturais e artificiais, realistas e ilusionistas; penso que basta colocar a um
lado os que são homens e a outro os que não o são. Estes últimos nada têm a ver
com a poesia ou, pelo menos, com os meus cantos.
Pablo Neruda, Nasci para Nascer
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