01 maio, 2020

TRADUÇÕES DA QUARENTENA - 23 Sylvia Plath

SOU VERTICAL
Mas preferia ser horizontal.
Não sou uma árvore com a raiz no solo
Sugando minerais e amor maternal
Para que em cada Março possa brilhar em folha,
Nem sou a beleza de um canteiro de jardim
Atraindo a minha cota de Ahs e espectacularmente pintada,
Sem saber que em breve terei de perder as pétalas.
Comparada comigo, uma árvore é imortal
E a cabeça de uma flor não é alta mas mais surpreendente
E quero a longevidade de uma e a audácia da outra.
Esta noite, à luz infinitesimal das estrelas,
as árvores e as flores têm espalhado os seus frescos odores.
Caminho entre elas, mas nenhuma repara.
Às vezes penso que é quando estou a dormir
Que mais me devo assemelhar a elas—
Pensamentos obscurecidos.
É mais natural para mim, estando deitada.
Então o céu e eu estamos em aberta conversa,
E serei útil quando me deitar finalmente:
Então as árvores podem por uma vez tocar-me, e as flores ter tempo para mim.
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CRUZANDO AS ÁGUAS
Lago negro, barco negro, duas pessoas recortadas a negro.
Para onde vão as árvores negras que bebem aqui?
As suas sombras devem cobrir o Canadá.
Alguma luz filtra-se das flores aquáticas.
As suas folhas não desejam que nos apressemos:
São redondas e planas e cheias de sombrias recomendações.
Mundos frios sacodem-se do remo.
O espírito da escuridão está em nós, está nos peixes.
Uma raiz levanta uma mão pálida de despedida;
Estrelas abrem-se entre os lírios.
Não te cegam tais inexpressivas sereias?
Este é o silêncio das almas assombradas.


Sylvia Plath (EUA, 1932 - 1963)

(trad. Cristina Tavares /José Pinto de Sá)

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