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13 março, 2016

Herberto Helder

O poema é um objecto carregado de poderes magníficos, terríficos: posto no sítio certo, no instante certo, segundo a regra certa, promove uma desordem e uma ordem que situam o mundo num ponto extremo: o mundo acaba e começa. Aliás não é exactamente um objecto, o poema, mas um utensílio: de fora parece um objecto, tem as suas qualidades tangíveis, não é porém nada para ser visto mas para manejar. 


Herberto Helder, (Auto-)Entrevista, Jornal Público, 4 dezembro 1990

25 março, 2015

herberto - a sua matéria fugitiva

... Os símbolos saem da noite terrena - rápidos e luzentes - referidos como flores ou pássaros, e a mesma noite reabsorve a sua matéria fugitiva. Porque a noite não é terna. Desta noite que fermenta silenciosamente destaca-se o nosso vocabulário, ele já sistema básico de símbolos, pronto para o jogo e o uso apocalípticos. Mexer neste vocabulário é uma incorrência em perigos incógnitos, e nessa aventura (e não nas passagens fotográficas) lavra-se a biografia criminal, e a exposição à morte. (...)

Herberto Helder; Profissão: Revólver& ETC, nº19, Janeiro de 1974


Vivian Maier, Chicago, Junho 1963

24 março, 2015

Escrever não mostra o que resta, mas o que falta. Para tocar o fundo. Disso se morre, de escrita. Mas nada vale senão morrer. O sentido revelador disto está em que tudo desaparece com cada um. Morre-se para que o mundo morra, e crime e culpa se dissolvam, como se a escrita – morte alheia e própria – fosse uma espécie de exasperada, misteriosa e emblemática regeneração ..."

Herberto Helder, Profissão: Revólver& ETC, nº19, Janeiro de 1974



Herberto Helder
Herberto Helder, Angola, 1961


Herberto Helder (fotografia do espólio de Alberto Lacerda)

Herberto Helder
(fotografia de Alfredo Cunha, fevereiro de 2015)


Herberto

queria ver se chegava por extenso ao contrário:
força e pulsação e graça,
isto é: a luz, de dentro, despedaçando tudo,
e concentrada:
estrela / estrela

Herberto Helder, A Morte Sem Mestre

Herberto

tão fortes eram que sobreviveram à língua morta,
esses poucos poemas acerca do que hoje me atormenta,
décadas, séculos, milénios,
e eles vibram,
e entre os objectos técnicos no apartamento,
rádio, tv, telemóvel,
relógios de pulso,
esmagam-me por assim dizer com a sua verdade última
sobre a morte do corpo,
dizem apenas: é igual ao pó da terra que não respira,
o que é falso, pois eu é que deixarei de respirar
sobre o pó da terra que respira,
entre o poema sumério e este poema de curto fôlego,
mas que talvez respire um dia,
ou dois, ou três dias mais:
quanto às coisas sumérias: as mãos da rapariga,
o cabelo da estreita rapariga,
a luz que estremecia nela,
tudo isso perdura em mim pelos milénios fora,
disso, oh sim, é que eu estou vivo e estremeço ainda


Herberto Helder, A Morte Sem Mestre

Herberto

como se sabe os poetas não morrem

CT, herberto, 24 março 2015

21 janeiro, 2015

Herberto Helder

até cada objecto se encher de luz e ser apanhado
por todos os lados hábeis, e ser ímpar,
ser escolhido,
e lampejando do ar à volta,
na ordem do mundo aquela fracção real dos dedos juntos
como para escrever cada palavra:
pegar ao alto numa coisa em estado de milagre: seja:
um copo de água,
tudo pronto para que a luz estremeça:
o terror da beleza, isso, o terror da beleza delicadíssima
tão súbito e implacável na vida administrativa


Herberto Helder, Servidões, Assírio & Alvim

02 fevereiro, 2008

Herberto e Kiki


Kiki Smith, "Standing"
Uma golfada de ar que me acorda numa imagem larga.
Os braços apertam os pulmões da estrela.
e o golpe freme a toda a altura negra. Tremo
na linha sísmica que atravessa o sono.
De ferro em brasa na cabeça,
medo e delírio,
o sombrio trabalho de beleza com as unhas fincadas
na matéria atenta
à olaria.
E súbito, apenas pelo uso elementar das coisas,
esse júbilo terrível.

Herberto Helder, "Ou o Poema Contínuo"





21 março, 2007

"(...)
- O barulho do mar e do vento. A montanha, a ideia da montanha impraticável. E depois a terra arenosa por ali fora. E a solidão. E sentir sobretudo que já não pode haver medo. Fecho as portas da casa, a porta de saída e as portas dos quartos entre si. E fico no quarto sem soalho e deito-me no chão. Ouço o mar e o vento à frente e atrás da montanha solitária e poderosa. Depois encosto a cara à terra profundíssima para escutar o seu húmido susurro atravessando-a toda e passando por mim. E então poderei morrer."

Herberto Helder, "Os Passos em Volta"

18 março, 2007

(...)
Mas em Amsterdão nem sequer existia a rua que o meu amigo tinha indicado e claro, nunca houve em qualquer parte da terra um homem chamado Max Hughes que conseguisse embarcar gente para Singapura. Às vezes chego a pensar que não existe nenhuma cidade com tal nome. mas não é nem nunca foi essencial. A comoção e a esperança, sim, essas existem, e são o tema dos nossos dons, a nossa tarefa. E é nelas próprias que o milagre do mundo pode ser concebido.

Herberto Helder, "Os Passos em Volta"

17 março, 2007

(...) Contaram-me que ele tinha uma alegria tão grande que não podia agarrar num copo: quebrava-o com a força dos dedos, com a grande força da sua alegria. Era uma criatura excepcional. Depois foi-se embora, e até já desconfiavam dele, e embarcou, e talvez não houvesse lugar na terra para ele. E onde está? Mas era uma alegria bárbara, uma vocação terrível. Partiu. E agora chove, e vamos para casa, e tomamos chá, e comemos aqueles bolos de que tu gostas tanto. E depois, e depois? Ele era belo e tremendo, com aquela sua alegria, e não tinha medo, e só a vibração interior da sua alegria fazia com que os copos se quebrassem entre os dedos. Foi-se embora."

Herberto Helder, "Os Passos em Volta"