26 dezembro, 2014

Separando a erva dos prados, aspirando o seu raro aroma,
Dela reclamo a espiritualidade,
Exijo o mais íntimo e abundante companheirismo entre os homens,
Peço que ergam as suas folhas as palavras, actos, seres,
Esses de límpidos ares, rudes, solares, frescos, férteis,
Esses que traçam o seu próprio caminho, erectos  e livres avançando, conduzindo e não                                                                                                                              conduzidos,
Esses de indomável audácia, de doce e veemente carne sem mácula,
Esses que olham de frente, imperturbáveis, o rosto dos presidentes e governadores como                                                                                                    se dissessem Quem és tu ?
Esses de natural paixão, simples, nunca constrangidos, insubmissos,
Esses de dentro da América.

Walt Whitman, Cálamo

25 dezembro, 2014

Satã

7.

Há quem chame «poeta» àquele que «faz» poemas.

Mas os poemas não se fazem, nem poeta tem directa
relação com poema. Poema, justamente, é
aquilo que não se faz, que está além do fazer. Ser Poeta
é ter um busto – até pode ser o da república – empedernido nas
células, no peito, nas falanges dianteiras do corpo... O poema 
existe. Está lá, num «lá» encoberto a que apenas chegam os que
, removidos da alma, esperam infinitamente.


8.
Para o António Cândido Franco


Quando consigo ler aquilo que Pascoaes escreveu
, experimento um calafrio nuclear na boca e uma vontade
periódica de gritar. Nunca me transporto para Amarante,
nem me sinto encarnar árvore em S. João de Gatão...
... às vezes nem me recordo do focinho avatar
com que sempre planeou as fotografias
em que se deixou fixar.
Aquilo que Pascoaes escreveu ainda não foi escrito.
É um lento e pesaroso meio-dia dos vocábulos, uma via-sacra
que ele abriu com o desenho em branco da sua caligrafia loira
, redonda, povoada de anjos e cristos aguarelados.



15.

Ainda não era noite, quando, na forja
do café, ardi um dedo no que de mais digital
o confecciona. Adivinhei, como não sabia que se podia adivinhar,
o torrão externo do tacto. E sobrou ter a minha pele agarrada
àquela grelha invisivelmente ardente, para
, pela primeira vez, Ver a impressão do que me toca
invés da habitual intuição de tocar. Tocar
pele e ter tocada a pele, são duas substâncias tão distintas
e removidas da realidade nuclear dos sentidos,
que se torna insuportável pensar que não
se sabe, nem por estimação, daquilo que experimenta o que nos toca, a menos que, por um segundo, o fogo-real-que-queima
, nos acenda... um dedo
, que seja



19.

A luz de um cair-da-tarde no fim de Março
traz uma representação de desesperança
que nem o sono alivia no cansaço.
Com a insolência distinta dos pombos,
os céus tornam-se sonorosos, verdes-escuro,
apartando os anjos das almas que os refletem.
Pior seria ter de andar pelo campo,
respirar fedores de terra e sementes de trigo,
ver bois ao longe com medo de estarem perto,
ou ser tentado a colher uma réstia de flor como
acto de contrição por todo o mal de ter nascido.
Antes a cidade e a luz eléctrica: iluminação
pública, semáforos.
Antes passeadouros a imitar canais venezianos.



21.

ao adormecer Li uns versos em alemão
e, porque não sei alemão, tudo me constou certo
, amplo, verdadeiramente amplo,
verdadeiramente certo.
Aqueles versos fluíram-me pelas veias
no clamor adorável de cada sentença.
Aventuro agora dizer que encetei bem o dia,
pois que nutri, lendo versos em alemão, é
exactamente a ignorância que desejo aos
que lêem os meus versos portugueses.


Frederico Mira George, Satã, 2011
Sê tão feliz como se eu estivesse contigo. (Não penses que não estou agora junto a ti).
Walt Whitman, Cálamo
Pleno de vida agora, concreto, visível,
Eu, aos quarenta anos de idade e aos oitenta e três dos Estados Unidos,
A ti que viverás dentro de um século ou vários séculos mais,
A ti, que ainda não nasceste, me dirijo, procurando-te.

Quando leres isto, eu que era visível, serei invisível
Agora és tu, concreto, visível, aquele que me lê, aquele que me procura,
Imagino quanto serias feliz se eu estivesse a teu lado e fosse teu companheiro,
Sê tão feliz como se eu estivesse contigo. (Não penses que não estou agora junto a ti).

Walt Whitman, Cálamo

23 dezembro, 2014


John Stezaker, Old Mask III, 2006

John Stezaker, Pair IV, 2007

























22 dezembro, 2014

Ilse Bing, Autoretrato,Paris, 1931



Ilse Bing, Renata and Her Sister, 1934

21 dezembro, 2014

Ilse Bing, Cancan Dancer, Moulin Rouge,1931



20 dezembro, 2014

Claire Morgan, If You Go Down To The Woods, 2014

17 dezembro, 2014

Dinh Q. Lê, Untitled, (Cambodia: Splendour & Darkness Series), 1998

15 dezembro, 2014

Jean Cocteau, Raymond Radiguet endormi, 1922

14 dezembro, 2014

Rebecca Horn, Mechanischer Korperfacher, 1972

12 dezembro, 2014

Dir-se-ia que ela [a música] é uma forma superior do ar.

Rainer Maria Rilke, Apaixonadamente (correspondência com Magda von Hattingberg)

11 dezembro, 2014

A magnólia estende contra a minha escrita a tua sombra
E eu toco na sombra da magnólia como se pegasse na tua mão


Daniel Faria,  Poesia

10 dezembro, 2014

Sleep

CT, Sleep (da série Sleeping Head), 2014 
a minha mão há 10 anos

09 dezembro, 2014

Marcel Proust

      Certos espíritos amantes do mistério pretendem que os objectos conservam qualquer coisa dos olhos que os viram, que os monumentos e os quadros só nos aparecem sob o véu sensível que lhes foi tecido pelo amor e pela contemplação de tantos adoradores, ao longo de muitos séculos. Esta quimera seria verdadeira se a transpusessem para o domínio  da realidade exclusiva de cada um, para o domínio da sua sensibilidade própria. Sim, nesse sentido, e apenas nesse sentido (mas que é muito maior), uma coisa que em tempos observámos, se tornarmos a vê-la, traz-nos, juntamente com o olhar que nela poisámos, todas as imagens que então o enchiam. É que as coisas - um livro como outro qualquer sob a sua capa vermelha -, logo que vistas por nós, tornam-se em nós algo de imaterial, da mesma natureza de todas as nossas preocupações ou das nossas sensações desse tempo, e misturam-se indissoluvelmente com elas. 

Marcel Proust, Em Busca do Tempo Perdido, volume 2

08 dezembro, 2014

Antoni Tàpies, Recordando a Lorca

Com a tua letra

Porque eu amo-te, quer dizer, estou atento
às coisas regulares e irregulares do mundo.
Ou também: eu envio o amor
sob a forma de muitos olhos e ouvidos
a explorar, a conhecer o mundo.
Porque eu amo-te, isto é, eu dou cabo
da escuridão do mundo.
Porque tudo se escreve com a tua letra.



Fernando Assis Pacheco, A Musa Irregular

07 dezembro, 2014

Tejal Shah

Tejal Shah, Encounter(s) Live performance, Turbine Hall, Tate Modern, 2006