31 janeiro, 2015
30 janeiro, 2015
29 janeiro, 2015
Poema
para o Mário Cesariny
Moveu-se o automóvel - mas não devia mover-se
não devia!
Ontem à meia-noite três relógios distintos bateram:
primeiro um, depois outro e outro:
o eco do primeiro, o eco do segundo, eu sou o eco do terceiro
Eu sou a terceira meia-noite dos dias que começam
Pregões de varina sem peixe
- o peixe morreu ao sair da água
e assim já não é peixe
Assim como eu que vivo uma VIDA EXTREMA.
António Maria Lisboa, A Única Real Tradição Viva
Etiquetas:
António Maria Lisboa,
poesia,
poesia portuguesa
Alberto Caeiro
Quando vier a Primavera,
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada.
A realidade não precisa de mim. Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada.
A realidade não precisa de mim. Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma
Se soubesse que amanhã morria
E a Primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
Porque tudo é real e tudo está certo.
E a Primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
Porque tudo é real e tudo está certo.
Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é.
Alberto
Caeiro
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é.
Etiquetas:
Alberto Caeiro,
poesia,
poesia portuguesa
28 janeiro, 2015
27 janeiro, 2015
António Maria Lisboa
Acento
Vem dos montes friíssimos da Noruega
onde te sonhei para beberes estrelas
e caminhar a custo entre as cascatas
onde a ternura é um escadote
e o ar um caracol de planetas nas órbitas.
António Maria Lisboa, Poesia
Etiquetas:
António Maria Lisboa,
poesia,
poesia portuguesa
25 janeiro, 2015
23 janeiro, 2015
António e Michael
Michael Borremans, Crazy Fingers, 2007 |
O que procuro é um coração pequeno, um animal
perfeito e suave. Um fruto repousado,
uma forma que não nasceu,(...)
perfeito e suave. Um fruto repousado,
uma forma que não nasceu,(...)
António Ramos Rosa, Poesia Presente -
antologia
Etiquetas:
António Ramos Rosa,
oxigénio,
poesia,
poesia portuguesa
22 janeiro, 2015
21 janeiro, 2015
Herberto Helder
até cada objecto se
encher de luz e ser apanhado
por todos os lados hábeis, e ser ímpar,
ser escolhido,
e lampejando do ar à volta,
na ordem do mundo aquela fracção real dos dedos juntos
como para escrever cada palavra:
pegar ao alto numa coisa em estado de milagre: seja:
um copo de água,
tudo pronto para que a luz estremeça:
o terror da beleza, isso, o terror da beleza delicadíssima
tão súbito e implacável na vida administrativa
Herberto Helder, Servidões, Assírio & Alvim
por todos os lados hábeis, e ser ímpar,
ser escolhido,
e lampejando do ar à volta,
na ordem do mundo aquela fracção real dos dedos juntos
como para escrever cada palavra:
pegar ao alto numa coisa em estado de milagre: seja:
um copo de água,
tudo pronto para que a luz estremeça:
o terror da beleza, isso, o terror da beleza delicadíssima
tão súbito e implacável na vida administrativa
Herberto Helder, Servidões, Assírio & Alvim
Etiquetas:
Herberto Helder,
poesia,
poesia portuguesa
20 janeiro, 2015
Ramon Puig Cuyas
Ramon Puig Cuyas, Aspice me (Mirame) da série Utopos, 2007-2009 |
Ramon Puig Cuyas, (Mirame e Sere Mirado), da série Utopos, 2007-2009 |
Ramon Puig Cuyas, Aspice in Stellae (Mira a las Estrelas), da série Utopos,2007-2009 |
Ramon Puig Cuyas, Cursum Tenere, da série Utopos, 2007-2009 |
17 janeiro, 2015
António Maria Lisboa
Abrir-se a janela para entrarem estrelas
abrir-se a luz para entrarem olhos
abrir-se o tecto para cair um garfo no centro da sala
e depois ruidosa uma dentadura velha
E no CIMO disto tudo uma montanha de ouro
E no FIM disto tudo um Azul-de-Prata.
António Maria Lisboa, Poesia
abrir-se a luz para entrarem olhos
abrir-se o tecto para cair um garfo no centro da sala
e depois ruidosa uma dentadura velha
E no CIMO disto tudo uma montanha de ouro
E no FIM disto tudo um Azul-de-Prata.
António Maria Lisboa, Poesia
Etiquetas:
António Maria Lisboa,
poesia,
poesia portuguesa
16 janeiro, 2015
Ana Tecedeiro e Al Berto
Ana Tecedeiro, Sei como te sentes, Bordado sobre gravura encontrada, 2013 |
Cada vez escrevo / produzo menos, mas o pouco
que produzo requer tempo. Requer toda a minha disponibilidade, toda a minha
paixão. Não posso continuar com coisas exteriores à minha escrita a
perturbarem-me. Tenho de avançar rapidamente com o projecto que me obceca há
muito. O tempo faz-se escasso.
Faz um frio de partir os ossos. Os dias cheios dum
sol espantoso, uma limpidez que se vê a costa até ao Cabo Sardão. Às vezes
desejaria ter sido pastor, homem transumante. Ir e regressar, com o sol e com
as chuvas, ir e regressar sempre com o ciclo das estações…
Fiz 36 anos, hoje, acabaram-se para sempre algumas
coisas, outras iniciam-se agora, só a juventude não se recomeça nem tem início
hoje… Tenho de começar a habituar-me à grande desolação dos dias, sempre mais
vazios, sem ninguém, porque assim o quis.
A partir de hoje tenho o tempo todo para escrever,
para não fazer nada, envelhecerei calmamente. Tenho a certeza. Não há tempo,
ainda bem!
Al Berto, Diários, Assírio e Alvim
15 janeiro, 2015
Somos uma tempestade sob o crânio de um surdo
(...)
"Dis, Blaise, sommes-nous bien loin de Montmartre?"
E nos buracos,
As rodas vertiginosas as bocas as vozes
E os cães malditos que uivam no nosso encalço
Os demónios andam à solta
Ferragens
É tudo um acorde falso
O brum-rum-rum das rodas
Choques
Saltos
Somos uma tempestade sob o crânio de um surdo...
(...)
Blaise Cendrars, Poesia em Viagem, Assírio e Alvim
"Dis, Blaise, sommes-nous bien loin de Montmartre?"
E nos buracos,
As rodas vertiginosas as bocas as vozes
E os cães malditos que uivam no nosso encalço
Os demónios andam à solta
Ferragens
É tudo um acorde falso
O brum-rum-rum das rodas
Choques
Saltos
Somos uma tempestade sob o crânio de um surdo...
(...)
Blaise Cendrars, Poesia em Viagem, Assírio e Alvim
14 janeiro, 2015
Eugenio Montale
A Enguia
A enguia, a sereia
dos mares frios que abandona o Báltico
para alcançar os nossos litorais,
os nossos estuários, os rios
que remonta pelo fundo da corrente adversa
de braço em braço, depois
de cabelo em cabelo, adelgaçando
cada vez mais dentro, sempre
mais no coração da pedra, insinuando-se
entre o borbulhar do lodo até que um dia
a luz rompendo os castanheiros
enche-a de chispas nos charcos de água morta,
das valas baixando
pelas escarpas dos Apeninos à Romanha;
a enguia, archote, látego
flecha de Amor em terra
que só os nossos barrancos ou os secos
riachos pirenaicos reconduzem
a paraísos de fecundação;
alma verde que procura
vida lá onde apenas
o ardor morde e a secura,
a cintilação que diz:
tudo começa quando já parece
carbonizar-se, tronco sepultado;
íris breve, gémea
daquela que engastam tuas pestanas
e fazes brilhar intacta entre os filhos
do homem, imersos no teu lodo - podes tu
não a crer tua irmã?
Eugenio Montale, Rosa do Mundo
A enguia, a sereia
dos mares frios que abandona o Báltico
para alcançar os nossos litorais,
os nossos estuários, os rios
que remonta pelo fundo da corrente adversa
de braço em braço, depois
de cabelo em cabelo, adelgaçando
cada vez mais dentro, sempre
mais no coração da pedra, insinuando-se
entre o borbulhar do lodo até que um dia
a luz rompendo os castanheiros
enche-a de chispas nos charcos de água morta,
das valas baixando
pelas escarpas dos Apeninos à Romanha;
a enguia, archote, látego
flecha de Amor em terra
que só os nossos barrancos ou os secos
riachos pirenaicos reconduzem
a paraísos de fecundação;
alma verde que procura
vida lá onde apenas
o ardor morde e a secura,
a cintilação que diz:
tudo começa quando já parece
carbonizar-se, tronco sepultado;
íris breve, gémea
daquela que engastam tuas pestanas
e fazes brilhar intacta entre os filhos
do homem, imersos no teu lodo - podes tu
não a crer tua irmã?
Eugenio Montale, Rosa do Mundo
13 janeiro, 2015
Assinar:
Postagens (Atom)