Anish Kapoor, Sky Mirror, Red, 2009 |
01 janeiro, 2015
31 dezembro, 2014
30 dezembro, 2014
Paul Celan
(...)
di-lo, como se eu fosse este
teu branco,
como se tu fosses
o meu,
(...)
Paul Celan, Sete Rosas Mais Tarde
di-lo, como se eu fosse este
teu branco,
como se tu fosses
o meu,
(...)
Paul Celan, Sete Rosas Mais Tarde
28 dezembro, 2014
Ingeborg Bachmann e Paul Celan, 1952 |
Uma Espécie de Perda
Usámos a dois: estações do ano, livros e uma música.
As chaves, as taças de chá, o cesto do pão, lençóis de linho e uma cama.
Um enxoval de palavras, de gestos, trazidos, utilizados, gastos.
Cumprimos o regulamento de um prédio.Dissemos.Fizemos.E estendemos sempre a mão.
Apaixonei-me por Invernos, por um septeto vienense e por Verões.
Por mapas, por um ninho de montanha, uma praia e uma cama.
Ritualizei datas, declarei promessas irrevogáveis,
idolatrei o indefinido e senti devoção perante um nada,
(o jornal dobrado, a cinza fria, o papel com um apontamento)
sem temores religiosos, pois a igreja era esta cama.
De olhar o mar nasceu a minha pintura inesgotável.
Da varanda podia saudar os povos, meus vizinhos.
Ao fogo da lareira, em segurança, o meu cabelo tinha a sua cor mais intensa.
A campainha da porta era o alarme da minha alegria.
Não te perdi a ti,
perdi o mundo.
Ingeborg Bachmann, O Tempo Aprazado
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27 dezembro, 2014
Conversa à Mesa
Morremos de vez, é certo.
Por isso, a vida é uma coisa,
De que acontece, ou não, gostar.
Mas sendo assim, porque me acontece
Gostar do mato vermelho,
Da erva cinzenta e do céu verde-cinza?
E que mais? Mas, vermelho,
Cinzento, verde, porquê, especialmente?
Não foi isso que eu disse:
Não esses, especialmente. Apenas, esses.
Gostamos do que acontece gostarmos.
Gostamos da maneira como o vermelho cresce.
Não tem nenhuma importância.
Acontecer gostar é uma das maneiras
Que as coisas têm de acontecer.
Wallace Stevens, Antologia
Morremos de vez, é certo.
Por isso, a vida é uma coisa,
De que acontece, ou não, gostar.
Mas sendo assim, porque me acontece
Gostar do mato vermelho,
Da erva cinzenta e do céu verde-cinza?
E que mais? Mas, vermelho,
Cinzento, verde, porquê, especialmente?
Não foi isso que eu disse:
Não esses, especialmente. Apenas, esses.
Gostamos do que acontece gostarmos.
Gostamos da maneira como o vermelho cresce.
Não tem nenhuma importância.
Acontecer gostar é uma das maneiras
Que as coisas têm de acontecer.
Wallace Stevens, Antologia
26 dezembro, 2014
Separando a erva dos prados, aspirando o seu raro aroma,
Dela reclamo a espiritualidade,
Exijo o mais íntimo e abundante companheirismo entre os homens,
Peço que ergam as suas folhas as palavras, actos, seres,
Esses de límpidos ares, rudes, solares, frescos, férteis,
Esses que traçam o seu próprio caminho, erectos e livres avançando, conduzindo e não conduzidos,
Esses de indomável audácia, de doce e veemente carne sem mácula,
Esses que olham de frente, imperturbáveis, o rosto dos presidentes e governadores como se dissessem Quem és tu ?
Esses de natural paixão, simples, nunca constrangidos, insubmissos,
Esses de dentro da América.
Walt Whitman, Cálamo
Dela reclamo a espiritualidade,
Exijo o mais íntimo e abundante companheirismo entre os homens,
Peço que ergam as suas folhas as palavras, actos, seres,
Esses de límpidos ares, rudes, solares, frescos, férteis,
Esses que traçam o seu próprio caminho, erectos e livres avançando, conduzindo e não conduzidos,
Esses de indomável audácia, de doce e veemente carne sem mácula,
Esses que olham de frente, imperturbáveis, o rosto dos presidentes e governadores como se dissessem Quem és tu ?
Esses de natural paixão, simples, nunca constrangidos, insubmissos,
Esses de dentro da América.
Walt Whitman, Cálamo
25 dezembro, 2014
Satã
7.
Há quem chame «poeta» àquele que «faz» poemas.
Mas os poemas não se fazem, nem poeta tem directa
relação com poema. Poema, justamente, é
aquilo que não se faz, que está além do fazer. Ser Poeta
é ter um busto – até pode ser o da república – empedernido nas
células, no peito, nas falanges dianteiras do corpo... O poema
existe. Está lá, num «lá» encoberto a que apenas chegam os que
existe. Está lá, num «lá» encoberto a que apenas chegam os que
, removidos da alma, esperam infinitamente.
8.
Para o António Cândido Franco
Quando consigo ler aquilo que Pascoaes escreveu
, experimento um calafrio nuclear na boca e uma
vontade
periódica de gritar. Nunca me transporto para
Amarante,
nem me sinto encarnar árvore em S. João de Gatão...
... às vezes nem me recordo do focinho avatar
com que sempre planeou as fotografias
em que se deixou fixar.
Aquilo que Pascoaes escreveu ainda não foi escrito.
É um lento e pesaroso meio-dia dos vocábulos, uma
via-sacra
que ele abriu com o desenho em branco da sua
caligrafia loira
, redonda, povoada de anjos e cristos aguarelados.
15.
Ainda não era noite, quando, na forja
do café, ardi um dedo no que de mais digital
o confecciona. Adivinhei, como não sabia que se podia adivinhar,
o torrão externo do tacto. E sobrou ter a minha pele agarrada
àquela grelha invisivelmente ardente, para
, pela primeira vez, Ver a impressão do que me toca
invés da habitual intuição de tocar. Tocar
pele e ter tocada a pele, são duas substâncias tão distintas
e removidas da realidade nuclear dos sentidos,
que se torna insuportável pensar que não
se sabe, nem por estimação, daquilo que experimenta o que nos toca, a menos
que, por um segundo, o fogo-real-que-queima
, nos acenda... um dedo
, que seja
19.
A luz de um cair-da-tarde no fim de Março
traz uma representação de desesperança
que nem o sono alivia no cansaço.
Com a insolência distinta dos pombos,
os céus tornam-se sonorosos, verdes-escuro,
apartando os anjos das almas que os refletem.
Pior seria ter de andar pelo campo,
respirar fedores de terra e sementes de trigo,
ver bois ao longe com medo de estarem perto,
ou ser tentado a colher uma réstia de flor como
acto de contrição por todo o mal de ter nascido.
Antes a cidade e a luz eléctrica: iluminação
pública, semáforos.
Antes passeadouros a imitar canais venezianos.
21.
ao adormecer Li uns versos em alemão
e, porque não sei alemão, tudo me constou certo
, amplo, verdadeiramente amplo,
verdadeiramente certo.
Aqueles versos fluíram-me pelas veias
no clamor adorável de cada sentença.
Aventuro agora dizer que encetei bem o dia,
pois que nutri, lendo versos em alemão, é
exactamente a ignorância que desejo aos
que lêem os meus versos portugueses.
Frederico Mira George, Satã, 2011
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Pleno de vida agora, concreto, visível,
Eu, aos quarenta anos de idade e aos oitenta e três dos Estados Unidos,
A ti que viverás dentro de um século ou vários séculos mais,
A ti, que ainda não nasceste, me dirijo, procurando-te.
Quando leres isto, eu que era visível, serei invisível
Agora és tu, concreto, visível, aquele que me lê, aquele que me procura,
Imagino quanto serias feliz se eu estivesse a teu lado e fosse teu companheiro,
Sê tão feliz como se eu estivesse contigo. (Não penses que não estou agora junto a ti).
Walt Whitman, Cálamo
Eu, aos quarenta anos de idade e aos oitenta e três dos Estados Unidos,
A ti que viverás dentro de um século ou vários séculos mais,
A ti, que ainda não nasceste, me dirijo, procurando-te.
Quando leres isto, eu que era visível, serei invisível
Agora és tu, concreto, visível, aquele que me lê, aquele que me procura,
Imagino quanto serias feliz se eu estivesse a teu lado e fosse teu companheiro,
Sê tão feliz como se eu estivesse contigo. (Não penses que não estou agora junto a ti).
Walt Whitman, Cálamo
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