Haverá por certo um tempo Para o fumo amarelo que desliza pela rua E esfrega as costas na vidraça; Haverá um tempo, tempo De compor um rosto para olhares os rostos que te olharem; Tempo de matar, tempo de criar, E tempo para todos os trabalhos e os dias, de mãos Que se erguem e te deixam cair no prato uma pergunta; Tempo para ti e tempo para mim, E tempo ainda para cem indecisões E outras tantas visões e revisões Antes de tomar o chá e a torrada.
(...) di-lo, como se eu fosse este teu branco, como se tu fosses o meu, (...) Paul Celan, Sete Rosas Mais Tarde
28 dezembro, 2014
Ingeborg Bachmann e Paul Celan, 1952
Uma Espécie de Perda Usámos a dois: estações do ano, livros e uma música. As chaves, as taças de chá, o cesto do pão, lençóis de linho e uma cama. Um enxoval de palavras, de gestos, trazidos, utilizados, gastos. Cumprimos o regulamento de um prédio.Dissemos.Fizemos.E estendemos sempre a mão. Apaixonei-me por Invernos, por um septeto vienense e por Verões. Por mapas, por um ninho de montanha, uma praia e uma cama. Ritualizei datas, declarei promessas irrevogáveis, idolatrei o indefinido e senti devoção perante um nada, (o jornal dobrado, a cinza fria, o papel com um apontamento) sem temores religiosos, pois a igreja era esta cama. De olhar o mar nasceu a minha pintura inesgotável. Da varanda podia saudar os povos, meus vizinhos. Ao fogo da lareira, em segurança, o meu cabelo tinha a sua cor mais intensa. A campainha da porta era o alarme da minha alegria. Não te perdi a ti, perdi o mundo. Ingeborg Bachmann, O Tempo Aprazado
Sob um céu estranho sombras rosas sombras numa terra estranha entre rosas e sombras numa água estranha a minha sombra Ingeborg Bachmann, O Tempo Aprazado
27 dezembro, 2014
Minor White, 1958
Minor White, The Sound of One Hand Clapping, 1957
Minor White, Gloucester, 1973
Minor White, Vicinity of Rochester, 1954
Conversa à Mesa Morremos de vez, é certo. Por isso, a vida é uma coisa, De que acontece, ou não, gostar. Mas sendo assim, porque me acontece Gostar do mato vermelho, Da erva cinzenta e do céu verde-cinza? E que mais? Mas, vermelho, Cinzento, verde, porquê, especialmente? Não foi isso que eu disse: Não esses, especialmente. Apenas, esses. Gostamos do que acontece gostarmos. Gostamos da maneira como o vermelho cresce. Não tem nenhuma importância. Acontecer gostar é uma das maneiras Que as coisas têm de acontecer. Wallace Stevens, Antologia