27 março, 2016
Aimé Césaire
A roda é a mais bela descoberta do homem
e a única
existe o sol que roda
a terra que roda
existe o teu rosto que roda sobre o eixo do teu pescoço
quando choras
mas vós minutos não enrolareis na bobina da vida
o sangue lambido
a arte de sofrer aguçada como cotos de árvore
pelas facas do inverno
a corça louca de sede
que vem mostrar-me à beira de água
teu rosto de escuna desmastrada
teu rosto
como uma aldeia adormecida no fundo de um lago
e que renasce na manhã da relva
semente dos anos
existe o sol que roda
a terra que roda
existe o teu rosto que roda sobre o eixo do teu pescoço
quando choras
mas vós minutos não enrolareis na bobina da vida
o sangue lambido
a arte de sofrer aguçada como cotos de árvore
pelas facas do inverno
a corça louca de sede
que vem mostrar-me à beira de água
teu rosto de escuna desmastrada
teu rosto
como uma aldeia adormecida no fundo de um lago
e que renasce na manhã da relva
semente dos anos
Aimé Césaire, Antologia Poética
Yagaki e Centeno
Shikanousuke Yagaki, Wheatfields, 936 |
não chego a saber
quem és
tu mesmo
ou reflexo meu?
Y.K.Centeno, Perto da Terra
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Y,
Y.K.Centeno
26 março, 2016
E.E.Cummings: it is art because its alive
It is Art because it is alive. It proves that, if you and I are to create at all, we must create with today and let all the Art schools and Medicis in the universe go hang themselves with yesterday’s rope. It teaches us that we have made a profound error in trying to learn Art, since whatever Art stands for is whatever cannot be learned. Indeed, the Artist is no other than he who unlearns what he has learned, in order to know himself; (...)
(...)"to
become an Artist” means nothing: whereas to become alive, or one’s self, means
everything.
E. E. Cummings, A Miscellany
Revised
25 março, 2016
24 março, 2016
Herberto, ainda (e Saul)
Mas nunca o amor tem a pronúncia que se espera
Herberto Helder , Letra Aberta (poemas inéditos escolhidos por Olga Lima), 2016
Saul Leiter, Untitled (subway car 4435), c.1950 |
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S
23 março, 2016
Herberto Helder (1930 - 23 março 2015)
Assim se reserva nos apartamentos agachados,
entre roupas deitadas, o tesouro de um rosto
soberano.
E a claridade evapora-se do cérebro, ao alto
do candelabro:
o olhar activo de uma flor sonhada.
Herberto Helder , Poesia Toda
entre roupas deitadas, o tesouro de um rosto
soberano.
E a claridade evapora-se do cérebro, ao alto
do candelabro:
o olhar activo de uma flor sonhada.
Herberto Helder , Poesia Toda
Felix Gonzalez-Torres, Untitled, march 5th #1, 1991 |
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22 março, 2016
Marx Ernst e Vladimir Nabokov
21 março, 2016
Poesia (digo eu)
Tudo leva a crer que existe um certo ponto do espírito de onde a vida e a morte, o real e o imaginário, o passado e o futuro, o comunicável e o incomunicável, o que está em cima e o que está em baixo deixam de ser apercebidos contraditoriamente.
André Breton
20 março, 2016
a tua pedra está lá
Dantes quando eu escrevia poemas eles não mudavam
deixados de noite sobre a página
ficavam como estavam e a luz do dia rompia
nos versos, como na corda da roupa no pátio
ajoujada com o peso de roupas esquecidas ou deixadas ficar
para um sol melhor no dia seguinte
Mas agora sei o que acontece enquanto durmo
e quando acordo o poema mudou:
os factos dilataram-no, ou cancelaram-no;
e à luz de cada manhã, a tua pedra está lá.
Adrienne Rich, Uma Paciência Selvagem (trad. Mª Irene Ramalho e Mónica Varese Andrade)
deixados de noite sobre a página
ficavam como estavam e a luz do dia rompia
nos versos, como na corda da roupa no pátio
ajoujada com o peso de roupas esquecidas ou deixadas ficar
para um sol melhor no dia seguinte
Mas agora sei o que acontece enquanto durmo
e quando acordo o poema mudou:
os factos dilataram-no, ou cancelaram-no;
e à luz de cada manhã, a tua pedra está lá.
Adrienne Rich, Uma Paciência Selvagem (trad. Mª Irene Ramalho e Mónica Varese Andrade)
19 março, 2016
18 março, 2016
Aaron e Maurice
|
A verdadeira filosofia é reaprender a ver o mundo.
Maurice Merlau-Ponty
16 março, 2016
Theodor e Vera
O único modo que ainda resta à filosofia
de se responsabilizar perante o desespero seria tentar ver as coisas como
aparecem do ponto de vista da redenção. O conhecimento não tem outra luz,
excepto a que brilha sobre o mundo a partir da redenção: tudo o mais se esgota
na reconstrução e não passa de elemento técnico.
Theodor W. Adorno, Minima Moralia
15 março, 2016
Jannah e Cecile
zero graus talvez existam,
contudo. O leite também azeda
com a trovoada. Os vulcões têm nomes
permanentes, mesmo se não expelem lava.
O mesmo nome não promete que
sejamos semelhantes. Água e fantasmas
conseguem atravessar muitas coisas.
Consegues ver através de nada? Os
fantasmas
vivem, sim e não. Ausente é quando estás
não estando. Às vezes sinto a tua
ausência
mesmo estando tu presente. Às vezes
estás
sem seres aquele de quem sinto a
falta.
Nem todas as nuvens têm um nome.
Jannah Loontjes (tradução de Maria Leonor Raven-Gomes)
Herberto e o silêncio
Pode escrever-se acerca do silêncio, porque é um modo de alcançá-lo, embora impertinente.
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14 março, 2016
Adrienne Rich
Na madeira velha, baratucha, riscada, da mesinha da máquina de escrever
há uma paisagem, feita de veios, que só uma criança pode ver
ou o eu mais velho da criança,
uma mulher sonhando quando devia estar a bater à máquina
o último relatório do dia. Se isto fosse um mapa,
pensa ela, um mapa decretado para memorizar
podendo ela talvez percorrê-lo, ele mostra
cordilheira atrás de cordilheira esbatendo-se no deserto nebulento,
aqui e além um sinal de aquíferos
e um possível bebedouro. Se isto fosse um mapa
seria o mapa da última idade da tua vida,
não um mapa de escolhas mas um mapa de variações
sobre a escolha maior. Seria o mapa pelo qual
ela poderia ver o fim das escolhas turísticas,
de distâncias azuladas e arroxeadas de romantismo,
pelo qual ela reconheceria que a poesia
não é revolução mas uma forma de saber
por que tem de vir a revolução. Se esta mesinha de madeira baratucha,
produzida em massa porém duradoura, presente agora aqui,
é o que é porém um mapa-de-sonho
tão renitente, tão simples,
pensa ela, o material e o sonho podem juntar-se
e isso é o poema e isso é o relatório retardatário.
Adrienne Rich, Uma Paciência Selvagem (trad. Mª Irene Ramalho e Mónica Varese Andrade)
há uma paisagem, feita de veios, que só uma criança pode ver
ou o eu mais velho da criança,
uma mulher sonhando quando devia estar a bater à máquina
o último relatório do dia. Se isto fosse um mapa,
pensa ela, um mapa decretado para memorizar
podendo ela talvez percorrê-lo, ele mostra
cordilheira atrás de cordilheira esbatendo-se no deserto nebulento,
aqui e além um sinal de aquíferos
e um possível bebedouro. Se isto fosse um mapa
seria o mapa da última idade da tua vida,
não um mapa de escolhas mas um mapa de variações
sobre a escolha maior. Seria o mapa pelo qual
ela poderia ver o fim das escolhas turísticas,
de distâncias azuladas e arroxeadas de romantismo,
pelo qual ela reconheceria que a poesia
não é revolução mas uma forma de saber
por que tem de vir a revolução. Se esta mesinha de madeira baratucha,
produzida em massa porém duradoura, presente agora aqui,
é o que é porém um mapa-de-sonho
tão renitente, tão simples,
pensa ela, o material e o sonho podem juntar-se
e isso é o poema e isso é o relatório retardatário.
Adrienne Rich, Uma Paciência Selvagem (trad. Mª Irene Ramalho e Mónica Varese Andrade)
13 março, 2016
Herberto Helder
O poema é um objecto carregado de poderes magníficos,
terríficos: posto no sítio certo, no instante certo, segundo a regra certa,
promove uma desordem e uma ordem que situam o mundo num ponto extremo: o mundo
acaba e começa. Aliás não é exactamente um objecto, o poema, mas um utensílio:
de fora parece um objecto, tem as suas qualidades tangíveis, não é porém nada
para ser visto mas para manejar.
Herberto Helder, (Auto-)Entrevista, Jornal Público, 4 dezembro 1990
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