28 março, 2016

caixa negra

Ana Mendieta, s/título (Cuílapán Niche), 1973



























Há um pequeno sinal
na sequência interna de cada proteína

- notícia como qualquer outra lida
entre o desporto e as palavras cruzadas
a economia e as charadas dos xadrezistas - 

há um pequeno sinal
que indica à célula o seu tempo de vida
algo divinamente físico que decide o momento do sacrifício
o caminho para o fim

- no fundo da página impressa
há ainda oito diferenças para descobrir entre duas imagens idênticas -

desafios da vida



Frederico Mira George, Caixa Negra, 2005

27 março, 2016

Il lamento dell'imperatrice-Pina Bausch

Aimé Césaire

A roda é a mais bela descoberta do homem e a única
existe o sol que roda
a terra que roda
existe o teu rosto que roda sobre o eixo do teu pescoço
quando choras
mas vós minutos não enrolareis na bobina da vida
o sangue lambido
a arte de sofrer aguçada como cotos de árvore
pelas facas do inverno
a corça louca de sede
que vem mostrar-me à beira de água
teu rosto de escuna desmastrada
teu rosto
como uma aldeia adormecida no fundo de um lago
e que renasce na manhã da relva
semente dos anos


Aimé Césaire, Antologia Poética


Yagaki e Centeno

Shikanousuke Yagaki, Wheatfields, 936

não chego a saber
quem és
tu mesmo
ou reflexo meu?

Y.K.Centeno, Perto da Terra

26 março, 2016

E.E.Cummings: it is art because its alive


  






























It is Art because it is alive. It proves that, if you and I are to create at all, we must create with today and let all the Art schools and Medicis in the universe go hang themselves with yesterday’s rope. It teaches us that we have made a profound error in trying to learn Art, since whatever Art stands for is whatever cannot be learned. Indeed, the Artist is no other than he who unlearns what he has learned, in order to know himself; (...) 


(...)"to become an Artist” means nothing: whereas to become alive, or one’s self, means everything.



E. E. Cummings, A Miscellany Revised

25 março, 2016

O silêncio de Frida













Je suis plein du silence assourdissant d’aimer 
Louis Aragon

24 março, 2016

Herberto, ainda (e Saul)


Mas nunca o amor tem a pronúncia que se espera

Herberto Helder , Letra Aberta (poemas inéditos escolhidos por Olga Lima)2016



Saul Leiter, Untitled (subway car 4435), c.1950

23 março, 2016

Herberto Helder (1930 - 23 março 2015)

Assim se reserva nos apartamentos agachados,
entre roupas deitadas, o tesouro de um rosto
              soberano.
E a claridade evapora-se do cérebro, ao alto
              do candelabro:
o olhar activo de uma flor sonhada.


Herberto Helder , Poesia Toda


Felix Gonzalez-Torres, Untitled, march 5th #11991



22 março, 2016

Marx Ernst e Vladimir Nabokov

Max Ernst, Le Retour de la Belle Jardinière, 1967





























See you soon my strange joy, my tender night.   

Vladimir Nabokov, Letters to Véra


21 março, 2016

Poesia (digo eu)

Tudo leva a crer que existe um certo ponto do espírito de onde a vida e a morte, o real e o imaginário, o passado e o futuro, o comunicável e o incomunicável, o que está em cima e o que está em baixo deixam de ser apercebidos contraditoriamente.

André Breton


20 março, 2016

a tua pedra está lá

Dantes quando eu escrevia poemas eles não mudavam
deixados de noite sobre a página

ficavam como estavam e a luz do dia rompia
nos versos, como na corda da roupa no pátio

ajoujada com o peso de roupas esquecidas ou deixadas ficar
para um sol melhor no dia seguinte

Mas agora sei o que acontece enquanto durmo
e quando acordo o poema mudou:

os factos dilataram-no, ou cancelaram-no;
e à luz de cada manhã, a tua pedra está lá.



Adrienne Rich, Uma Paciência Selvagem  (trad. Mª Irene Ramalho e Mónica Varese Andrade)



exercícios com o olhar (4)

 CT, exercícios com o olhar, março2016


exercícios com o olhar (3)

A thing is never seen as it really is.

Josef Albers


CT, exercícios com o olhar, março 2016
 




































19 março, 2016

exercícios com o olhar (2)


 
 CT 

exercícios 
com 

olhar 

março 2016



18 março, 2016

exercícios com o olhar (1)

CT, 

exercícios 
com 

olhar

março 2016




(obrigada, JF)

Aaron e Maurice

Aaron Siskind, Terrors and Pleasures of Levitation, 1953-1961















A verdadeira filosofia é reaprender a ver o mundo.

Maurice Merlau-Ponty

16 março, 2016

Theodor e Vera

O único modo que ainda resta à filosofia de se responsabilizar perante o desespero seria tentar ver as coisas como aparecem do ponto de vista da redenção. O conhecimento não tem outra luz, excepto a que brilha sobre o mundo a partir da redenção: tudo o mais se esgota na reconstrução e não passa de elemento técnico.

Theodor W. Adorno, Minima Moralia

Vera Molnar, 25 Carrés, 1990-91



15 março, 2016

Jannah e Cecile

Cecile Perra




































Mãos inexistentes segurando coisa nenhuma

zero graus talvez existam,
contudo. O leite também azeda
com a trovoada. Os vulcões têm nomes
permanentes, mesmo se não expelem lava.
O mesmo nome não promete que
sejamos semelhantes. Água e fantasmas
conseguem atravessar muitas coisas.
Consegues ver através de nada? Os fantasmas
vivem, sim e não. Ausente é quando estás
não estando. Às vezes sinto a tua ausência
mesmo estando tu presente. Às vezes estás
sem seres aquele de quem sinto a falta.
Nem todas as nuvens têm um nome.


Jannah Loontjes  (tradução de Maria Leonor Raven-Gomes)

Herberto e o silêncio


Pode escrever-se acerca do silêncio, porque é um modo de alcançá-lo, embora impertinente. 


Herberto Helder, Photomaton & Vox





olho direito de estátua grega, 500-100 a.c.

14 março, 2016

Adrienne Rich

Na madeira velha, baratucha, riscada, da mesinha da máquina de escrever
há uma paisagem, feita de veios, que só uma criança pode ver
ou o eu mais velho da criança,
uma mulher sonhando quando devia estar a bater à máquina
o último relatório do dia.      Se isto fosse um mapa,
pensa ela, um mapa decretado para memorizar
podendo ela talvez percorrê-lo, ele mostra
cordilheira atrás de cordilheira esbatendo-se no deserto nebulento,
aqui e além um sinal de aquíferos
e um possível bebedouro.         Se isto fosse um mapa
seria o mapa da última idade da tua vida,
não um mapa de escolhas mas um mapa de variações
sobre a escolha maior. Seria o mapa pelo qual
ela poderia ver o fim das escolhas turísticas,
de distâncias azuladas e arroxeadas de romantismo,
pelo qual ela reconheceria que a poesia
não é revolução mas uma forma de saber
por que tem de vir a revolução.     Se esta mesinha de madeira baratucha,
produzida em massa porém duradoura, presente agora aqui,
é o que é porém um mapa-de-sonho
tão renitente, tão simples,
pensa ela, o material e o sonho podem juntar-se
e isso é o poema e isso é o relatório retardatário.


Adrienne Rich, Uma Paciência Selvagem  (trad. Mª Irene Ramalho e Mónica Varese Andrade)