Noé Sendas |
16 julho, 2017
15 julho, 2017
Ainda Ritzos
Uma Palavra
Depois de esgotar tudo à sua volta e dentro de si,
e quando estava como que a naufragar,- então lembrava-se de pronunciar
uma única palavra : estátua ( e, naturalmente, pensava
em estátua grega, nua). E logo à sua volta
se abriam nomes-ilhas: um joelho brilhava
frente ao mar, a aljava do pequeno arqueiro
distinguia-se enterrada num montículo de areia fina.
Vestia-se, saía para a Ágora. "Bom dia", dizia.
Talhos, olarias, frutarias. Comprava uvas,
libertando aquele profundo, sereno e inesgotável
gesto dum braço de mármore amputado
Giánnis Ritsos, em Poesia-Mais-Que-Perfeita (trad. Alda Leal)
Depois de esgotar tudo à sua volta e dentro de si,
e quando estava como que a naufragar,- então lembrava-se de pronunciar
uma única palavra : estátua ( e, naturalmente, pensava
em estátua grega, nua). E logo à sua volta
se abriam nomes-ilhas: um joelho brilhava
frente ao mar, a aljava do pequeno arqueiro
distinguia-se enterrada num montículo de areia fina.
Vestia-se, saía para a Ágora. "Bom dia", dizia.
Talhos, olarias, frutarias. Comprava uvas,
libertando aquele profundo, sereno e inesgotável
gesto dum braço de mármore amputado
Giánnis Ritsos, em Poesia-Mais-Que-Perfeita (trad. Alda Leal)
14 julho, 2017
Carlos de Oliveira
De vez em quando a insónia vibra com a nitidez dos sinos, dos cristais. E então, das duas uma: partem-se ou não se partem as cordas tensas da sua harpa insuportável.
No segundo caso, o homem que não dorme pensa: "o melhor é voltar-me para o lado esquerdo e assim, deslocando todo o peso do sangue sobre a metade mais gasta do meu corpo, esmagar o coração."
Carlos de Oliveira, Trabalho Poético
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Carlos de Oliveira,
poesia,
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13 julho, 2017
Mas as outras
Há certos versos - às vezes poemas
inteiros -
que eu próprio não sei o que querem dizer.
O que ignoro
retém-me ainda. E tu, tu tens razão em
interrogar. Não interrogues.
Já te disse que não sei.
Duas luzes paralelas
vindo do mesmo centro. O ruído da água
que cai, no inverno, da goteira a
transbordar
ou o ruído de uma gota de água caindo
de uma rosa no jardim, regado há pouco,
devagar, devagarinho, uma tarde de
primavera,
como o soluço de um pássaro.Não sei que
quer dizer este ruído;contudo aceito-o.
As coisas que sei explico-tas,
sem negligência.
Mas as outras também acrescentam a nossa
vida.
Eu olhava
o seu joelho dobrado, como ela dormia,
levantando o lençol -
não era apenas amor. Este ângulo
era o cume da ternura, e o cheiro
do lençol, a lavado e a primavera,
completava
este inexplicável, que eu procurei,
em vão ainda, explicar-te.
Giánnis Ritsos (trad. Eugénio de Andrade), Rosa do Mundo 2001 Poemas para o Futuro
12 julho, 2017
Giánnis Ritsos
As palavras têm outra casca
lá mais para dentro
como as amêndoas
e a paciência.
Giánnis Ritsos, em Poesia-Mais-Que-Perfeita (trad. Alda Leal)
poetas que se reconhecem
Facilmente, entre eles, os poetas se reconhecem - não
por grandes palavras que deslumbram as pessoas, não
por gestos retóricos, apenas por algo
completamente trivial, de místicas dimensões, como Ifigénia
reconheceu imediatamente Orestes, mal ele lhe disse:
"Não eras tu que bordavas, no pátio, à sombra do choupo,
com belas cores, com alva tela,
o movimento errante do sol?" E ainda:
"Não estava a um canto do teu quarto, guardada,
a velha lança de Pélope?" E então ela
logo se inclinou sobre o seu ombro, cerrando os olhos,
a uma luz profunda, doce, como se o ensanguentado altar
ficasse todo coberto com essa alva tela que ela mesmo bordava
à sombra do choupo, nos quentes meios-dias, na pátria.
Giánnis Ritsos, em Poesia-Mais-Que-Perfeita (trad. Alda Leal)
11 julho, 2017
Insaciável a dar
Insaciável a dar - algumas vezes até coisas
que não lhe pertenciam - como aquela montanha, por exemplo,
cor de malva no crepúsculo, com árvores de esmeralda, gravada
em vapores doirados: ou a sombra da andorinha nas espigas,
ou a forquilha caída, à noite, frente à cancela do jardim,
ou cabelos da bela mulher no acto de dizer "não".
Quanto às suas coisas - quais suas coisas? - não ficava com nenhuma;
Mantinha-se do que dava. E quando, alguma vez,
já nada tinha, cerrava os olhos, esperando
inventar algo muito maior do que ele próprio, e dá-lo.
Precisamente então, sentia que ele era aquele.
Giánnis Ritsos, em Poesia-Mais-Que-Perfeita (trad. Alda Leal)
que não lhe pertenciam - como aquela montanha, por exemplo,
cor de malva no crepúsculo, com árvores de esmeralda, gravada
em vapores doirados: ou a sombra da andorinha nas espigas,
ou a forquilha caída, à noite, frente à cancela do jardim,
ou cabelos da bela mulher no acto de dizer "não".
Quanto às suas coisas - quais suas coisas? - não ficava com nenhuma;
Mantinha-se do que dava. E quando, alguma vez,
já nada tinha, cerrava os olhos, esperando
inventar algo muito maior do que ele próprio, e dá-lo.
Precisamente então, sentia que ele era aquele.
Giánnis Ritsos, em Poesia-Mais-Que-Perfeita (trad. Alda Leal)
10 julho, 2017
Giánnis Ritsos
Creio na poesia, no amor, na morte,
e por isso mesmo creio na imortalidade. Escrevo um verso,
escrevo o mundo: existo; existe o mundo.
Da ponta do meu dedo mínimo corre um rio.
O céu é sete vezes azul. Esta pureza
é de novo a primeira verdade; a minha última vontade.
Giánnis Ritsos, em Poesia-Mais-Que-Perfeita (trad. Alda Leal)
25 junho, 2017
Ana Cristina César
olho muito tempo o corpo de um poema
até perder de vista o que não seja corpo
e sentir separado dentre os dentes
um filete de sangue
nas gengivas
Ana Cristina César, Poética
até perder de vista o que não seja corpo
e sentir separado dentre os dentes
um filete de sangue
nas gengivas
Ana Cristina César, Poética
24 junho, 2017
Mbate Pedro
oh como são inúteis e reluzentes os materiais do amor
Mbate Pedro, Vácuos
Cristina Tavares, Blurred Freesias, 2017 |
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Cristina Tavares,
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poesia
23 junho, 2017
Mbate Pedro
21 junho, 2017
20 junho, 2017
19 junho, 2017
18 junho, 2017
Michaux e Remarque
17 junho, 2017
Rita e Henri
Hei de inventar outro nome
para isso que morre
na virada do dia e renasce
bicho difuso, ainda sem
penugem, sem consciência
da metamorfose que guarda
em si.
Rita Isadora Pessoa
Matisse, Roses |
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oxigénio,
poesia,
Rita Isadora Pessoa
16 junho, 2017
15 junho, 2017
Noémia de Sousa
Noite morna de Moçambique
e sons longínquos de marimba chegam até mim
- certos e constantes -
vindos nem eu sei de onde.
Em minha casa de madeira e zinco,
abro o rádio e deixo-me embalar...
Mas vozes da América remexem-me a alma e os nervos.
E Robeson e Maria cantam para mim
spituals negros de Harlém.
“Let my people go”
- oh deixa passar o meu povo,
deixa passar o meu povo -,
dizem.
(...)
Um só ínfimo grão d'areia
e sons longínquos de marimba chegam até mim
- certos e constantes -
vindos nem eu sei de onde.
Em minha casa de madeira e zinco,
abro o rádio e deixo-me embalar...
Mas vozes da América remexem-me a alma e os nervos.
E Robeson e Maria cantam para mim
spituals negros de Harlém.
“Let my people go”
- oh deixa passar o meu povo,
deixa passar o meu povo -,
dizem.
(...)
~~
Um só ínfimo grão d'areia
nunca imaginei
pesar tanto.
Noémia de Sousa, Sangue Negro
13 junho, 2017
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