30 janeiro, 2015

Homer Page

Homer Page, New York, 1949

29 janeiro, 2015

Poema 
para  o Mário Cesariny


Moveu-se o automóvel - mas não devia mover-se
não devia!

Ontem à meia-noite três relógios distintos bateram:
primeiro um, depois outro e outro:
o eco do primeiro, o eco do segundo, eu sou o eco do terceiro

Eu sou a terceira meia-noite dos dias que começam

Pregões de varina sem peixe
- o peixe morreu ao sair da água
e assim já não é peixe

Assim como eu que vivo uma VIDA EXTREMA.


António Maria Lisboa, A Única Real Tradição Viva

António e Mário

António Maria Lisboa segurando Mário Cesariny
sobre os telhados de Lisboa, 1949

Alberto Caeiro

Quando vier a Primavera,
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada.
A realidade não precisa de mim. Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma
Se soubesse que amanhã morria
E a Primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
Porque tudo é real e tudo está certo.
Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é.
Alberto Caeiro

Piet Mondrian


Piet Mondrian, Chrysanthemum, 1909

28 janeiro, 2015

Block: Quem és?
Morte: Sou a Morte.
Block: Vieste buscar-me?
Morte: Ando contigo há muito tempo.
Block: Eu sei.
Morte: Estás preparado?


(diálogo do filme O Sétimo Selo de Igmar Bergman)

Les Idées Claires

René Magritte, Les Idées Claires, 1955

27 janeiro, 2015

António Maria Lisboa

Acento


Vem dos montes friíssimos da Noruega
onde te sonhei para beberes estrelas
e caminhar a custo entre as cascatas
onde a ternura é um escadote
e o ar um caracol de planetas nas órbitas.


António Maria Lisboa, Poesia

25 janeiro, 2015

Antónia

Loretta Lux, Portrait of Antonia, 2007

23 janeiro, 2015

António e Michael


Michael Borremans, Crazy Fingers, 2007

























O que procuro é um coração pequeno, um animal
perfeito e suave. Um fruto repousado,
uma forma que não nasceu,(...)


António Ramos Rosa, Poesia Presente - antologia

22 janeiro, 2015

Barbara Hepworth

Barbara Hepworth, Meridian, 1958-60

21 janeiro, 2015

Herberto Helder

até cada objecto se encher de luz e ser apanhado
por todos os lados hábeis, e ser ímpar,
ser escolhido,
e lampejando do ar à volta,
na ordem do mundo aquela fracção real dos dedos juntos
como para escrever cada palavra:
pegar ao alto numa coisa em estado de milagre: seja:
um copo de água,
tudo pronto para que a luz estremeça:
o terror da beleza, isso, o terror da beleza delicadíssima
tão súbito e implacável na vida administrativa


Herberto Helder, Servidões, Assírio & Alvim

20 janeiro, 2015

Ramon Puig Cuyas

Ramon Puig Cuyas, Aspice me (Mirame) da série Utopos,  2007-2009

Ramon Puig Cuyas, (Mirame e Sere Mirado), da  série Utopos, 2007-2009

Ramon Puig Cuyas, Aspice in Stellae (Mira a las Estrelas),
da série 
Utopos,2007-2009

Ramon Puig Cuyas, Cursum Tenere, da série Utopos, 2007-2009
fantástica joalharia contemporânea

17 janeiro, 2015

António Maria Lisboa

Abrir-se a janela para entrarem estrelas 
abrir-se a luz para entrarem olhos 
abrir-se o tecto para cair um garfo no centro da sala 
e depois ruidosa uma dentadura velha 
E no CIMO disto tudo uma montanha de ouro 

E no FIM disto tudo um Azul-de-Prata. 

António Maria Lisboa, Poesia

16 janeiro, 2015

Ana Tecedeiro e Al Berto

Ana Tecedeiro, Sei como te sentes, Bordado sobre gravura encontrada, 2013



















      


        Cada vez escrevo / produzo menos, mas o pouco que produzo requer tempo. Requer toda a minha disponibilidade, toda a minha paixão. Não posso continuar com coisas exteriores à minha escrita a perturbarem-me. Tenho de avançar rapidamente com o projecto que me obceca há muito. O tempo faz-se escasso.

      Faz um frio de partir os ossos. Os dias cheios dum sol espantoso, uma limpidez que se vê a costa até ao Cabo Sardão. Às vezes desejaria ter sido pastor, homem transumante. Ir e regressar, com o sol e com as chuvas, ir e regressar sempre com o ciclo das estações…
      Fiz 36 anos, hoje, acabaram-se para sempre algumas coisas, outras iniciam-se agora, só a juventude não se recomeça nem tem início hoje… Tenho de começar a habituar-me à grande desolação dos dias, sempre mais vazios, sem ninguém, porque assim o quis.
     A partir de hoje tenho o tempo todo para escrever, para não fazer nada, envelhecerei calmamente. Tenho a certeza. Não há tempo, ainda bem!


Al Berto, Diários, Assírio e Alvim

15 janeiro, 2015

Grace Hartigan

Grace Hartigan, Black Crows (Oranges nº1), 1958

Grace Hartigan

Somos uma tempestade sob o crânio de um surdo

(...)
"Dis, Blaise, sommes-nous bien loin de Montmartre?"

E nos buracos,
As rodas vertiginosas as bocas as vozes
E os cães malditos que uivam no nosso encalço
Os demónios andam à solta
Ferragens
É tudo um acorde falso
O brum-rum-rum das rodas
Choques
Saltos
Somos uma tempestade sob o crânio de um surdo...

(...)

Blaise Cendrars, Poesia em Viagem, Assírio e Alvim


14 janeiro, 2015

Eugenio Montale

A Enguia

A enguia, a sereia
dos mares frios que abandona o Báltico
para alcançar os nossos litorais,
os nossos estuários, os rios
que remonta pelo fundo da corrente adversa
de braço em braço, depois
de cabelo em cabelo, adelgaçando
cada vez mais dentro, sempre
mais no coração da pedra, insinuando-se
entre o borbulhar do lodo até que um dia
a luz rompendo os castanheiros
enche-a de chispas nos charcos de água morta,
das valas baixando
pelas escarpas dos Apeninos à Romanha;
a enguia, archote, látego
flecha de Amor em terra
que só os nossos barrancos ou os secos
riachos pirenaicos reconduzem
a paraísos de fecundação;
alma verde que procura
vida lá onde apenas
o ardor morde e a secura,
a cintilação que diz:
tudo começa quando já parece
carbonizar-se, tronco sepultado;
íris breve, gémea
daquela que engastam tuas pestanas
e fazes brilhar intacta entre os filhos
do homem, imersos no teu lodo - podes tu
não a crer tua irmã?

Eugenio Montale, Rosa do Mundo