25 agosto, 2016

que som foi este?

Alexander Rodchenko, Points, Composition nº119, 1920






































Que som foi este?
Afasto-me para o quarto que estremece.

Que som foi este que veio no escuro?
Que labirinto de luz é este em que nos deixa?
Que atitude é esta que tomamos
Para nos afastarmos e depois voltarmos?
Que foi que ouvimos?

Foi a respiração suspensa de quando nos encontrámos.

Ouve. Está aqui.


Harold Pinter, Várias Vozes



24 agosto, 2016

a tua voz

Shirin Neshat, Identified, 1996































7. CONTRA OS RECITAIS
Se leio os meus poemas em público

despojo a poesia do seu único sentido:

dotar as minhas palavras da tua voz

por um instante que seja





José Emilio Pacheco (trad. António Cabrita)


23 agosto, 2016

tudo se ilumina

Francesco del Cossa, Santa Lucia (detalhe), 1472-73










A realidade é um repto. A poesia é um rapto. De uma para a outra queimam-se os dedos, e como é de fogo que aqui se trata, tudo se ilumina.


Herberto Helder, Photomaton & Vox



21 agosto, 2016

céu e mar

Emil Nolde, Céu e Mar, 1930


20 agosto, 2016

holding the universe

Cabeça escavada numa concha, figura fenícia,700-650 a.c.



















She wasn't doing a thing that I could see, except standing there, leaning on the balcony railing, holding the universe together. 

J.D.Salinger

Emmet e Herberto

Emmet Gowin, Off Road Traffic Patern
along the Northwest Shore of the Great Salt Lake, Utah
, 1988



















O dia abre a cauda de água, o copo
vibra com tanta força,
as unhas fulguram sobre a toalha.
Cada palavra pensa cada coisa.
Entre imagens de ouro e vento, a constelação arterial dos objectos
do mundo alarga os braços furiosamente
de abismo a abismo.
A mão convulsa manobra a vida máxima.
E então sou devorado pelos nomes
selvagens.


Herberto Helder, Última Ciência

19 agosto, 2016

Harry Callahan

Harry Callahan, Eleanor and Barbara, Chicago, 1953


















18 agosto, 2016

o poeta

CT, o poeta, 2015



para entender que o que busco terá como alvo a alegria.

Federico Garcia Lorca

(80 anos após o seu assassinato)

17 agosto, 2016

Limos

Ana Tecedeiro, Limos (pormenor), 2013
Ana Tecedeiro, Limos, 2013


The tree which moves some to tears of joy is in the eyes of others only a green thing which stands in the way… As a man is, so he sees.



William Blake




13 agosto, 2016

ximari xiyomu dzì

CT, ximari xiyomu dzì (a agulha penetrou-o no corpo), Maputo, 2016





Vivian e Mary

Vivian Maier, Autoretrato

























Who made the world?
Who made the swan, and the black bear?
Who made the grasshopper?
This grasshopper, I mean -
the one who has flung herself out of the grass,
the one who is eating sugar out of my hand,
who is moving her jaws back and forth instead of up and down -
who is gazing around with her enormous and complicated eyes.
Now she lifts her pale forearms and thoroughly washes her face.
Now se snaps her wings open, and floats away.
I don't known exactly what a prayer is.
I do know how to pay attention, how to fall down
into the grass, how to kneel down in the grass,
how to be idle and blessed, how to stroll through the fields,
witch is what I have been doing all day.
Tell me, what else should I have done?
Doesn't everything die at last, and to soon?
Tell me, what is it your plan to do
with your one wild and precious life?


Mary Oliver, New and Selected Poems, vol.1 (Beacon Press)

12 agosto, 2016

ver Rangel 3

CT, ver Rangel, Maputo, 2016


10 agosto, 2016

ver Rangel 2

CT, ver Rangel, Maputo, 2016


oferenda da manhã

UMA CEREJEIRA FLORIU
Esperaste-me
como um precipício espera a catarata
como, de mãos placidamente entrelaçadas,
o escravo espera a lâmina
que o sacerdote de Montezuma
lhe plantará no peito,
como uma floresta espera pela tempestade
que lhe convulsionará as árvores,
como uma planície a inundação,
como os sarmentos ressequidos a labareda,
como a primavera a primeira andorinha
que sulcará negra os seus vales esmeralda,
como uma janela
espera a rubra eclosão do gerânio.
Estavas só,
a tua boca escaldava.
Quando te apertei nos meus braços
uma cerejeira floriu.

Mihai Beniuc (trad. António Cabrita)

09 agosto, 2016

ver Rangel

CT, ver Rangel, Maputo, 2016

Ricardo Rangel , fotojornalista e fotógrafo moçambicano (1924-2009)



defender a alegria e Hannah

Hannah Hoch, Sammelalbum, c.1933
























defender a alegria como um destino
defendê-la do fogo e dos bombeiros
dos suicidas e dos homicidas
das férias e da agonia
da obrigação de estar alegre


Mario Benedetti

08 agosto, 2016

Céu de Maputo

CT, Céu de Maputo (para José), julho 2016

22 julho, 2016

Estava capaz de ter uma conversa contigo

Estava capaz de fazer uma fogueira. Apetece-te uma fogueira?
Vou fazer uma fogueira.

Estava capaz de rasgar o jornal de domingo aos bocadinhos
e tentar não ligar aos anúncios.

Estava capaz de acabar de cavar o buraco
que estive a abrir no quintal.

Estava capaz de fazer chá e tomar Vitamina C.
Apetece-te uma chávena de chá?

Estava capaz de dar simplesmente um passeio,
Sem destino nenhum.

Estava capaz de ficar muito sossegadinho a um canto parando de inventar motivos
para andar de um lado para o outro.

Estava capaz de ter uma conversa contigo.
Apetece-te uma conversa?


Sam Shepard, Crónicas Americanas



CT, Estava capaz de ter uma conversa contigo, Maputo, 2016

13 julho, 2016

Daniel e Tacita (um oxigénio difícil)

Falo daquilo que vejo, embora possas pensar que sou cego
seguindo as mãos - sim, toco as palavras nas suas superfícies 
e utensílios.

A primeira palavra que os olhos viram, agora que a recordo,
parecia uma imagem - sim, um som desenhado como um fóssil
(falo de fóssil, mesmo
que ele demore a aparecer no que digo),
um som do tamanho de um azulejo; agora que me lembro que era uma palavra

que brilhava nos meus olhos ao vê-la
(ver uma palavra era uma planta muito diferente,
um oxigénio muito difícil de se respirar).

Sim, agora vejo que falo, embora possas pensar que sigo pelo tacto a escrita.
Sim, eu leio e decifro. E agora sei que oiço as coisas devagar.


Daniel Faria, Poesia



Tacita Dean, detail from Sunset, 2015

12 julho, 2016

Daniel Faria

Houvesse um sinal a conduzir-nos
E unicamente ao movimento de crescer nos guiasse. Temos das árvores
A incomparável paciência de procurar o alto
a verde bondade de permanecer
E orientar os pássaros

Daniel Faria, Poesia